19 Setembro 2023
O Vaticano não é mais o centro de nenhum universo, exceto de um universo clericalista que continua colapsando.
O comentário é de Robert Mickens, publicado por La Croix International, 16-09-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre os muitos ditados populares e ímpios sobre Roma, alguns dos quais remontam aos tempos antigos, há esta pequena joia: Roma veduta, fede perduta. Basicamente significa que você corre o risco de perder a fé quando for à Cidade Eterna.
Certamente é uma frase que foi utilizada com sarcasmo durante o século XVI, quando Martinho Lutero (frade agostiniano alemão), João Calvino (teólogo francês) e John Knox (padre escocês) – todos eles católicos romanos – se tornaram líderes de vários movimentos para reformar uma Igreja que eles consideravam corrupta e mundana, por ter se afastado do Evangelho de Jesus Cristo.
É claro que os altos hierarcas da corte papal naquela época viam as coisas de uma forma um pouco diferente, e esses “reformadores católicos” acabaram rompendo com Roma (na realidade, o papa os excomungou), consolidando aquela que desde então tem sido conhecida como a Reforma – a Reforma Protestante.
As divisões profundas, e as guerras religiosas que se seguiram, dividiram o cristianismo ocidental a ponto de o catolicismo romano e as novas comunidades da Igreja reformada se enraizarem em uma mentalidade sectária ao longo do tempo.
O pontificado de João XXIII (1959-1963) e o Concílio Vaticano II (1962-1965) por ele convocado deram frutos aos esforços que alguns líderes e teólogos da Igreja, tanto do catolicismo quanto da tradição reformada, vinham desenvolvendo durante as décadas anteriores para promover a unidade na única Igreja de Jesus Cristo.
O Vaticano e o restante do catolicismo romano subitamente comprometeram-se com o movimento ecumênico de uma forma que o Bispo de Roma e aqueles que estavam em comunhão com ele nunca tinham estado antes.
Apesar do Vaticano II, que é considerado o evento mais monumental na Igreja cristã desde a Reforma do século XVI, a comunidade eclesial em Roma tem sido cautelosa na forma como promove a “restauração” da unidade da Igreja, como o decreto do Vaticano II sobre o ecumenismo, intitulado Unitatis redintegratio, assim o chamou.
A piada sem graça repetida frequentemente durante o pontificado de João Paulo II era de que a forma de ecumenismo do Vaticano era o “conversionismo”. Em outras palavras, as outras denominações cristãs deviam simplesmente “regressar” a Roma e submeter-se à liderança do Pontífice Romano.
O Papa Francisco mudou isso, mas ironicamente sem empreender quaisquer grandes iniciativas ecumênicas, pelo menos em nível institucional. É difícil recordar quaisquer eventos ou projetos inovadores que o Dicastério (antigo Pontifício Conselho) para a Promoção da Unidade dos Cristãos tenha promovido para ajudar a acelerar a “restauração” da unidade da Igreja. Suas autoridades continuam participando nos diálogos com outras partes da Igreja fraturada que foram estabelecidos há décadas, mas seu escritório vaticano não fez muito mais do que isso.
Francisco, por outro lado, encontrou-se muitas vezes individualmente com lideranças de outras partes da Igreja que não estão em comunhão com Roma. Ele até foi a Suécia em 2016 para marcar o 500º aniversário da Reforma, em um gesto de amizade e de demonstração de unidade, pelo menos parcial, da Igreja com os cristãos daquela que agora pode ser justamente chamada de tradição reformada.
E o esforço concertado do papa jesuíta para concentrar a Igreja nas “periferias” desempenhou um papel importante ao ajudar os católicos (e outros) a começarem a se distanciar de Roma e da obsessão doentia com todas as coisas vaticanas. Outra ironia, porém, é que isso aumentou um pouco a idolatria (também) doentia do papa romano (ou pelo menos a sua idealização)!
Esperamos que a próxima assembleia dupla do Sínodo dos Bispos, apesar de ser realizada no Vaticano, ajude ainda mais os católicos e os cristãos de outras denominações a verem que pode se alcançar um equilíbrio em relação ao papel que Roma e seu bispo desempenham dentro de uma única Igreja, embora ainda dividida.
A primeira das duas sessões da assembleia (a segunda será daqui a cerca de um ano) terá início em 4 de outubro. Ela será antecedida em alguns dias por uma grande vigília ecumênica de oração na Praça São Pedro, seguida por um retiro de três dias para os cerca de 400 participantes do encontro sinodal que durará um mês.
O objetivo dessa assembleia, que foi cuidadosamente preparada ao longo dos últimos dois anos por meio de consultas com católicos de todo o mundo em todas as esferas da vida, é discernir em oração para onde o Espírito Santo está chamando a Igreja hoje. É crucial que as pessoas que estarão na assembleia estejam conscientes de que não há nenhum futuro para um cristianismo dividido.
Se o foco estiver apenas na Igreja romana (e apenas nas comunidades cristãs em comunhão com ela), será mais uma perda de tempo, porque Roma e o Vaticano não são mais o centro da Igreja cristã ou, definido ainda mais estritamente, do universo da “Igreja Católica”.
Já deveria estar claro que este é umas das principais coisas que mudaram na Igreja durante os 10 anos de pontificado do Papa Francisco.
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